Basta de maldades. De passageiros de ônibus queimados vivos, de jovens assassinados, de assaltos, seqüestros, chacinas. E dos atos diários de violência nem sequer noticiados.
Basta de uma realidade que parece cena de filme de horror. Basta também de uma sociedade chocada por poucos dias, até o carnaval, a Copa do Mundo, o próximo escândalo.
Basta da fábrica de violência escondida no nosso modelo social e econômico. Da brutal desigualdade que divide nossa população em incluídos e excluídos, separados por um mal-disfarçado sistema nazista de apartação.
Basta também de prometer a redução da idade penal e a pena de morte, sem assumir a necessidade de revolucionar nossa estrutura social.
Basta da nossa contribuição para o aquecimento global. Também basta da mentira de dizer que esse problema pode ser resolvido sem uma reforma profunda no modelo de desenvolvimento.
Basta de comemorar a matrícula de 95% das crianças, sem perguntar onde estão os outros 5%, quando somente um terço dos matriculados concluirão ensino médio, e só a metade com uma qualidade minimamente satisfatória.
Basta da mentira de chamarmos de escola as construções degradadas onde depositamos nossas crianças por poucas horas ao dia. Basta de nossos governos esquecerem seus compromissos de campanha, ignorando os problemas mais profundos. De um sistema penal e judicial que protege bandidos, de rua ou de escritório, com acesso a advogados caros.
Basta de um Congresso divorciado do povo que o elegeu, formandoblocos em função de siglas, não de idéias, propostas, ações.
Basta da mentira de que a democracia está apenas no direito de falar, mesmo que nada de relevante se diga para enfrentar os problemas.
Basta dos moralistas que tanto defendem a ética no comportamento dos políticos, esquecendo de cobrar a ética nas prioridades das políticas.
Basta de uma economia que cresce pouco e na direção errada, sem respeito ecológico, sem criar emprego nem sustentabilidade, sem nos tirar do atraso, ou quebrar o maldito círculo da desigualdade que nos amarra e envergonha.
Basta de achar que simples transferências de renda eliminam a pobreza. Basta de um país nascido na escravidão que não consegue completar a abolição.
Basta de ricos incluídos culpando os pobres excluídos pelas desgraças da ineficiência, da criminalidade, da destruição ambiental, da deseducação. Como se no passado fossem os escravos os culpados pela falta de liberdade.
Basta de jogar a culpa pela violência nos pobres, quando eles são as maiores vítimas. Basta de procurar soluções simplistas, que nada mudam. Da dificuldade de punir com rigor os assassinos brutais de um menino que estava apenas no mesmo carro que a mãe, e os responsáveis por quase um milhão de mortos pela violência nos últimos 25 anos.
Basta também de achar que basta punir esses bandidos, como se outros não viessem substituí-los com a mesma bestialidade. Como se o problema fosse a violência em si, e não o que a está causando.
Basta de buscar a justiça depois dos crimes cometidos, e não a paz que evitaria a violência. Basta do egoísmo individualista e corporativo que impede o país de se ver como um todo, de olhar para futuro, de definir seu rumo.
Basta da indiferença e dos argumentos que tentam encobrir as verdadeiras causas do maior dos crimes — o crime do egoísmo que divide o nosso país e impede a construção da nossa Nação.
Basta de fingirmos que o Brasil não precisa de uma revolução, ou de fugirmos dela, adotando pequenos paliativos. Basta de artigos, também.
Escrito por: Cristovam Buarque - mensagem-cristovam@senado.gov.br
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